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História Sul-Americana da Imortalidade (a partir de rumores com sotaque)

Autor: Hilan Bensusan

 

136 páginas

ISBN: 978-65-87529-52-3

 

História Sul-Americana da Imortalidade não é um livro de filosofia. Nem de ficção. Tampouco consiste numa mistura de ambos, seja na forma de uma ficção filosófica, seja na de uma filosofia ficcional. Antes, pertence a um gênero peculiar, cujo expoente maior é o Catatau, de Paulo Leminski. Afinal, ambos partem de uma especulação aparentada: o que seria do Cogito se Descartes tivesse vindo ao Brasil Holandês de Nassau?, o que pensaria o Estrangeiro, personagem de um diálogo platônico, se tivesse sobre-vivido e se visse hoje tendo que atravessar clandestino a passagem da África à Europa? O gesto especulativo do “e se...” combina-se, assim, ao gesto político de re-situar marcos da filosofia ocidental, o que tem como efeito de rebote apontar para o fato de que tais marcos são eles mesmos, em sua origem (arché), situados, e, portanto, carecem de fundamento (arché) para suas pretensões de universalidade. Não se trata, assim, do movimento, tão comum e tão maçante, de tentar extrair da filosofia mais “central” uma leitura “periférica”, movimento que acaba justamente reforçando o “centro”, já que encontraria nele o seu próprio contrário ou a sua própria desconstrução. Antes, trata-se do movimento an-árquico de literalmente jogar a filosofia “central” na “periferia” global, em todos os sentidos, situando Descartes ou o Estrangeiro nas margens, fazendo deles sujeitos marginalizados, colocando-os em diálogo com os pensamentos das margens (que não se confundem com as margens do pensamento). Daí a importância, no caso de Leminski, da invenção formal, e no de Hilan Bensusan, da moldura narrativa (a estória do Estrangeiro é contada por uma latino-americana na fronteira entre México e Estados Unidos) e, no de ambos, da Antropofagia, o canibalismo ritual: “Índio pensa? índio come gente – isso sim. Índio me comendo, pensará estes meus pensares ou pesará de todo esse peso, parado no momento?”, lemos em Descartes com lentes; e, na História, à estória do Estrangeiro se segue a da per-vivência de Konyan Bebe, um dos líderes da Confederação dos Tamoios, revolta que, por pouco, não deu fim à colonização portuguesa já em seu início. As estórias de Hilan, além disso, sofrem uma inflexão de gênero, na medida não só que são contadas por mulheres, mas também porque se dão na forma de diálogos entre as duas figuras espectrais e outras mulheres. Daí a importância do sotaque no livro, atravessado que é por fronteiras, estrangeiros, refugiados, gender trouble, pois o sotaque aponta não para a intransponibilidade dos limites (das línguas, por exemplo), mas para a inscrição presente em todo corpo e toda voz de uma história: todo corpo é situado, inclusive aquele “sem sotaque”, i.e., do sotaque não-marcado... “Eu acredito em tudo. Mas acredito com sotaque”, diz a Refugiada ao Estrangeiro, no que parece ser uma instrução de leitura da própria obra de Hilan Bensusan. Pois História Sul-Americana da Imortalidade não é um livro de filosofia. Nem de ficção. É, para usar uma expressão de Hugo Simões, uma “tradução com sotaque” da filosofia em ficção e da ficção em filosofia, da especulação em política e da política em especulação. Um livro pra se ler com os dentes.

 

Alexandre Nodari

História sul-americana da imortalidade

R$48.00Preço
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